Um chamado nos 58

 

      Um chamado nos 58   

 

          Era de madrugada quando me desdobrei do corpo e fui levado pelo meu ancestral. Sob o manto estrelado que cobria o firmamento, eu me vi mergulhado em um mar de emoções indescritíveis. Era como se cada fibra do meu ser estivesse vibrando em harmonia com o universo, cada batida do meu coração ecoando o ritmo ancestral da existência.

         O ar estava impregnado com uma energia sublime, uma sensação de elevação da alma que envolvia tudo ao meu redor. Como é importante treinar o sentir, perceber, abstrair...

         Nem tudo a mente concreta e racional dá conta de explicar e entender.

         Chegamos em uma paisagem no astral. Um recife de corais que formavam uma piscina de águas límpidas, cercada de uma floresta atras de mim e nas laterais. Adiante, um oceano de matéria etérica plasmada em vibrações harmônicas...

          Diante de mim, na quietude sagrada do espaço astral, surgiram as formas luminosas dos orixás ancestrais. Oxossi, meu pai de cabeça, o guardião das matas e das caçadas, emanava uma serenidade profunda. Seus olhos profundos como os poços de sabedoria ancestral, brilhavam com a luz da lua, refletindo os segredos guardados nas profundezas da selva.

          Ele emergiu em uma forma etérea. Seu corpo radiava uma luminosidade verde, entrelaçada com as essências da mata, como se cada folha, galho e raiz estivessem vivos dentro dele. Me curvei em respeito e o reconheci dentro daquele momento de manifestação da ancestralidade.  Seu manto era feito de folhas e musgos, tecido pelas mãos invisíveis da natureza, e sua presença exalava o aroma fresco da terra molhada pela chuva.

          Oxossi ergueu o arco e flecha, símbolos de sua autoridade como o senhor das matas, e seu sorriso era sereno como as águas tranquilas de um riacho. A descrição evocando imagens naturais é o que me ocorreu para fixar aquela visão em meu ser.  Ele era a essência da vida selvagem, o guardião dos mistérios ocultos na densidade verde da floresta.

          Ao me encarar ele me transmitia uma mensagem silenciosa de conexão e respeito mútuo. Sua presença era um lembrete da harmonia e equilíbrio que permeiam o mundo natural, uma presença naquele momento em que eu seria chamado para adentrar mais profundamente nos segredos da selva e encontrar sua própria verdade dentro dela.

          Então, Ossãe materializou-se em uma presença sublime. Seu corpo irradiava uma aura de tranquilidade e vitalidade, percebi como se cada folha, galho e raiz estivessem impregnados com seu poder de cura e renovação. Percebi que o que estava vivenciando naquele momento ia além de ritos específicos no mundo material.

         Caminhou e se posicionou ao lado de Oxossi. A sua movimentação ecoava em harmonia com o pulsar da vida ao seu redor, com seus pés descalços tocando suavemente o solo etérico da mata. Percebia as ondas de energia que se movimentavam em cada pegada. Seu manto era tecido com as mais belas e raras folhas da floresta, cada uma carregando consigo os segredos e as chaves da cura dos vegetais.

        Seus olhos também brilhavam com a sabedoria dos séculos, refletindo a essência pura e intocada da natureza. Eram olhares que dialogavam com a alma. Sem palavras como conhecemos no plano material. Sem a barreira do idioma, dialeto ou qualquer vocalização.

        Ele era o guardião dos segredos ocultos nas profundezas do bosque, o conhecedor dos mistérios que se escondem sob as folhas e as raízes entrelaçadas. Também ergueu os braços em um gesto de bênção e evocou a energia vital da floresta, enchendo o ar com o perfume do frescor verde e o sussurro suave das folhas. Sim... um sussurro... não encontro palavras para descrever como as emanações das folhas enviavam uma comunicação para o meu sentir... Sua presença era um lembrete da beleza e da harmonia que permeiam o reino vegetal, um convite para eu mergulhar nas profundezas da cura e da renovação.

       E assim, na presença radiante de Ossãe e Oxossi, os segredos das plantas e das ervas medicinais ecoaram suavemente entre os galhos e os troncos centenários, revelando os mistérios da vida e da transformação que pulsam no coração da floresta. Senhores das plantas e das ervas medicinais, exalavam a fragrância da terra e da cura, em auras em tons de verde que se misturavam irradiando vida e renovação.

E ali estava, toda a expressão contida em um ponto cantado que ganhei uma vez, em uma festa de coroa no meu espaço de trabalhos espirituais:

“Verde são as matas de Oxossi, verde é o axé que meu pai tem em suas mãos...”

         Estava me abrindo e recebendo aquele axé quando percebi a chegada de ondas de energia vindas do oceano à minha frente. “ Yemanjá... quantas ondas tem no mar...”

          A mãe dos oceanos, envolvia-me com sua presença suave e acolhedora, estendidas em gestos de proteção e o dom do cuidar. Ela era o próprio oceano que ali se movimentava. Amor maternal. Mãe cujos filhos são peixes...

          À minha frente presenciei o aparecimento de um sacerdote de Olokum. Erguia-se em esplendor, com seus olhos brilhando com a luz do conhecimento antigo. Novamente me curvei em respeito e não levantei meus olhos enquanto não percebi que havia condições sem quebrar o respeito percebido em meu coração.  Senti-me envolto por uma aura de pureza e poder, uma sensação de serenidade e propósito que inundava minha alma. O tempo parecia não existir naquele local.

        E então, num instante de transcendência espiritual, senti-me sereno e pronto para receber os ensinamentos do Orum. As energias do ambiente se mesclavam naquele recife de luz, cada raio luminoso revelando segredos antigos e verdades profundas.

Conforme me entregava aos cuidados do sacerdote de Olokum, senti meu corpo ser envolvido por uma corrente de energia vital, ajustes sutis que preparavam meu ser para adentrar os estados alterados de consciência. Era como se cada célula do meu corpo estivesse integrada ao ritmo do universo, cada respiração uma sincronia com os ciclos eternos da existência. E ali, naquele momento de graça e beleza, eu compreendi que minha jornada estava apenas começando. Que agora, como um Ubuhle Bakwethu, eu tinha o dever sagrado de acessar os registros nos arquivos akáshicos do Orum e compartilhar as verdades ancestrais com aqueles que buscam a luz.

           Nesse recife de luz no plano astral, eu me preparei para mergulhar nas profundezas do conhecimento cósmico, pronto para desvendar os mistérios que aguardam aqueles que têm a coragem de buscar a verdade. E assim, com o coração cheio de gratidão e humildade, eu dei meu primeiro passo em direção à sabedoria infinita do universo. Depois de vários estágios dentro de minha caminhada dentro da espiritualidade, ocupando funções, desenvolvendo trabalhos, ancorando o axé em águas claras, agora o chamado era outro...

Agradeci pela oportunidade e pela pena branca que havia sido colocada em minhas mãos.

Axé! Luz acima!

É do Orun, é no Ayê, Odoiá Yemanjá!

Aramaian




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